A sabedoria convencional e as práticas de treinamento têm criado um vazio entre o os técnicos de esportes de resistência e os esportes altamente especializados tecnicamente, como basquete e futebol. Seriam estes esportes tão diferentes em suas demandas e, como tal, deve ser o treinamento tão diferente?

Em esportes de resistência, parece quase uma pedra fundamental que qualquer programa de treinamento deva se iniciar com a construção de uma base, visando gastar todo o tempo de treinamento disponível em treinos leves para construir capacidade aeróbica. Esta prática tem criado ainda uma paranóia e um medo de sessões de treino e intervalos de velocidade.

Muitos atletas de resistência só começam a trabalhar sua velocidade logo antes de suas principais competições, normalmente oito semanas antes. Essa é uma fase de velocidade muito curta e é durante esse período que as lesões normalmente ocorrem.O treinamento de velocidade em si não é culpa aqui. O fato de que esses atletas não tenham desenvolvido as habilidades necessárias para ir mais rápido é a causa de tais lesões.

 

Atletas focados na melhoria da sua velocidade apenas no final de dois meses antes de uma competição alvo estão forçando seu corpo em uma nova habilidade, exatamente no momento em que eles estão cansados e sob pressão: uma receita para o baixo desempenho e o desastre.

A velocidade é uma habilidade essencial para o desempenho de um triatleta – nós precisamos de desenvolvê-la no início de nosso programa de treinamento. Vamos tomar como exemplo o basquetebol: eles não começam programas de treinamento com o desenvolvimento da habilidade para garantir que eles possam durar durante todo o tempo do jogo. Em vez disso, começam a construir as habilidades para o sucesso: os atletas aprendem a arremessar, como mover-se na quadra e como passar em velocidade. Essencialmente, não vale a pena estar em ótima forma aeróbica e ficar correndo por duas horas ao redor da quadra como uma galinha sem cabeça se você não consegue passar, bloquear e marcar com um percentual elevado de precisão e efetividade.

O mesmo vale para o triathlon. Nós podemos treinar para estar em plena forma aeróbica, por isso não temos nenhum problema com a distância das competições. Mas, sem desenvolver as nossas habilidades para ir mais rápido por meio do treinamento de velocidade, nossa capacidade de desempenho estará limitada.

Quando eu menciono o trabalho de velocidade, isso assusta a maioria dos atletas, que imaginam-se levando seus corpos a seus limites. Não é o caso aqui e essa não é a maneira adequada de ensinar uma nova habilidade a seu corpo. Vamos primeiro definir o que é uma habilidade e como aprendemos uma nova habilidade, depois vamos tratar do trabalho de velocidade puro como uma área totalmente diferente da treinamento que eu gosto de chamar “hiper-definição”.

O que é uma habilidade?

Uma habilidade é simplesmente outra palavra para um padrão motor de nosso organismo. Este é um padrão de movimentos musculares controlados pelo cérebro para produzir um movimento específico. Por exemplo, se queremos correr no ritmo de 4 minutos por quilômetro, precisamos treinar a esta velocidade para desenvolver esse padrão motor. Criar uma habilidade requer praticar uma ação, repetidamente, por períodos curtos (até 60 segundos). Dessa forma, trata-se de nossa memória corporal de curto prazo. Assim, ao longo do tempo, ela será transferida para a memória de longo prazo (até 5 meses) – em outras palavras, se tornará automática, uma habilidade que não se precisa pensar sobre para realizar.

Grandes atletas em todos os esportes executam os movimentos mais complexos do esporte com facilidade. Parece que eles não estão pensando, mas simplesmente fazendo. Isso é possível porque as habilidades de visualização são tão arraigada que eles podem desligar o processo de pensamento e apenas realizar o que desejam. Todos nós somos capazes de fazer isso com um programa de treinamento bem planejado.

O processo de desenvolvimento de uma habilidade

Desenvolver uma habilidade é um processo demorado. Não é algo que podemos concluir do dia para noite. Quanto mais tempo passamos desenvolvendo, mais forte e mais eficiente será nosso conjunto de habilidades. Sem dúvida, nós podemos treinar para a velocidade em um período de oito semanas, como vários estudos têm demonstrado. Mas, como eu mencionei acima, essa abordagem vem com um risco muito elevado de lesões e a habilidade não permanece muito definido em nossa memória de longo prazo. Em outras palavras, temos velocidade, mas não temos a eficiência na velocidade.

O verdadeiro fator de desempenho nos esportes de resistência é essa eficiência. Quando pudermos desenvolver a velocidade desejada, usando o mínimo de energia possível para fazê-lo, então podemos nos aproximar de nosso potencial de desempenho máximo.

Vejamos um exemplo disto. Se quisermos executar um 10 km rápido depois de descer da bicicleta, temos que treinar para desenvolver a habilidade de correr rápido depois do pedal. Se nosso objetivo for, por exemplo, correr os 10 km em 40 minutos em uma prova de triathlon olímpico, isso significa que queremos desenvolver nosso corpo para correr no ritmo de 4min/km. Portanto, precisamos considerar como nós adicionamos algo em nossa memória motora de curto prazo: é preciso executar os movimentos várias vezes em intervalos curtos e devemos dar o tempo necessário para que o cérebro possa se restaurar e se recuperar antes de repetirmos novamente.

 

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Intervalos de 200m de corrida são ótimos para isso. Podemos definir uma sessão de 8 km dividido em, digamos, 40x200m com intervalos de descanso de 30 segundos. Os 200s são realizados em ritmo de corrida, ou seja, 48 segundos. Isso está dentro do limite de 60 segundos para o desenvolvimento da memória a curto prazo.

TOTAL DE CORRIDA = 51 minutos, não incluindo o aquecimento e esfriamento. Se nós pedirmos ao atleta para usar um monitor de freqüência cardíaca, seria de se esperar uma freqüência cardíaca média semelhante a um atleta que correu um treino contínuo, com nível de intensidade fácil a moderado, de 51 minutos de corrida.

RESULTADO = trabalhamos no desenvolvimento de habilidades específicas de competição e conseguimos condicionamento aeróbico semelhante a uma corrida fácil de 50 minutos. Isso se deve à constante redefinição de padrões neurais e processos catabólicos. Por isso, será mais rápido a recuperação do atleta do que seria em uma corrida fácil de duração similar. O principal ponto que muitos treinadores de esportes de resistência não percebem é que o desenvolvimento de habilidades específicas também desenvolve o condicionamento aeróbico.

Se você executar uma seção 40x200m (8km) no seu ritmo de 10km, você pode considerar uma sessão de velocidade, mas você não produzirá a fadiga e a dor de uma corrida de 8km no mesmo ritmo. Esta não é uma sessão exigente, mas uma sessão de desenvolvimento de habilidades. Repita este procedimento com freqüência suficiente e você se tornará muito eficiente na manutenção do ritmo de 4min/km, até o ponto que a corrida neste ritmo será automática. Ao seguir este procedimento, também fazemos um uso muito mais eficiente de nosso tempo.

Há uma outra forma de treino de velocidade que é realizado no ritmo de corrida acima e envolve o desenvolvimento de habilidades. Eu costumo chamar esse tipo de treino de hiper-definição de habilidades.

Hiper-definição (hiper-aprendizado)

Este fenômeno é usado freqüentemente no mundo dos negócios por digitadores visando aumentar sua precisão. Digamos que um datilógrafo queira digitar 200 palavras por minuto com 200% de precisão. Para fazê-lo, ele vai praticar digitação de 120 palavras por minuto. Isso vai trazer mais erros, mas quando ele abaixar sua digitação de volta para 200 palavras por minuto, sentirá que 200 é um ritmo lento. Isso significa que ele tem uma percepção de ter mais tempo e, por consequência, sua precisão aumenta, já não se sente apressado e fora do controle da situação.

No âmbito do esporte, podemos aplica a hiper-definição em todas as habilidades. O processo de hiper-definição nos permite atingir um desempenho desejado mais facilmente, pois simplesmente aumenta a nossa sensação de controle. Ao executar um treino em ritmo acima do ritmo de competição, nós ensinamos a nossos organismos a executar mais rápido do que eles precisam. Quando chegamos a correr em ritmo de competição, nossa percepção será de tempo extra e facilidade. A partir daí, correr em ritmo de prova se torna um processo muito mais controlado e não nos sentimos tão apressados e estressados, os processos de pensamento são mais descontraídos e, como resultado, a sensação de estar na zona de conforto é reforçada.

Conclusão

Ao se concentrar no desenvolvimento da habilidade, e não base aeróbica, nós racionalizamos nosso treinamento e ainda obtemos os benefícios aeróbios da mesma forma. A única diferença aparece no dia da competição, quando temos as habilidades necessárias profundamente fixadas em nossa memória de longo prazo. Assim, nós podemos simplesmente desligar o pensamento e fazer o que sabemos fazer. Se adicionarmos algumas seções de hiper-definição em nossa planilha, aumentamos as chances de alcançar o desempenho no limite de nossa capacidade, como fazem os atletas profissionais.
 

Alun Woodward, Coach ironguides

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